Escravidão ..

Lanço na noite a raiva que trago em mim, num sopro tão inocente, apago as velas que iluminam o meu quarto e abro a janela para deixar entrar o frio apaziguador que vem ao encontro da minha solidão e que tão bem completa a minha tristeza. Não será certamente o mundo que está errado, isso eu já aprendi, talvez aquilo que realmente esteja errado será a minha forma de pensar. Trago em mim as cicatrizes que me marcam e distinguem, cujo tempo foi rasgando lentamente na minha alma um pedaço de mim. Sinto-me tão confundido com a realidade das coisas, das ideias e de mim. Estou aterrorizado com a noite que me envolve, com a frieza dos sentidos, com as cordas vocais que já não estremecem em mim aquilo que pretendo ser, acabaram-se os bailados perfeitos das horas calmas e o refúgio da minha solidão reporta-se agora à escrita, porque até .. e vejam bem, até .. me conseguiram arracarar o grito interior, levaram-me os pensamentos, as ideias que outrora eu até achava correctas, roubaram aquilo que sou e venderam-me como escravo ao mundo em que habito. Fodasse, que merda de mundo que consegue levar num ápice as minhas brincadeiras de criança, tornando-me homem de mim mesmo e dos outros.

E foi assim que se deu o naufrágio, eu sei que é triste pensar assim, às vezes penso que nunca conseguirei ter verdadeiramente aquilo que pretendo para a minha vida, é triste pensar que às vezes perco em mim mesmo a vontade de viver, é triste ouvir gritos de dor e de medo na escuridão da noite ..

É triste sentir que um fantasma nos persegue na escuridão da vida.