sábado, 23 de fevereiro de 2008

Ausência ..




- Não suporto a escuridão, o silêncio e o frio - pensei eu
- Por acaso não estás a querer insinuar que eu te obrigo a isso, ou estás? - perguntou de imediato o meu ego.
- epáh, mas sabes oh ego, tipo, existem certas cenas maradas aqui dentro desta cabeça que às vezes parece que não sabe pensar como deve ser - disse eu de mim para mim mesmo, como se estivesse posicionado num palco tentando demonstrar a minha altivez perante o público (ego).
- Então, conta-me o que se passa. Estou ancioso, quero saber tudo. Aliás, tenho-te a dizer que ao longo do tempo tens vindo a querer iludir-me com os teus truques de mágia ou aquelas palavras malabaristas que tentam fugir sempre aquilo que não consegues: a tua revolta - O ego demonstrou-se ser um pouco mais inteligente.
- Eu sei meu amigo ego .. Sabes, o tempo é uma verdadeira revolta, os dias passam, aquilo a que chamas corpo vai ficando mais velho, mas tu ..seu porco .. sempre tentando dar a volta por cima, dizes sempre a cada ano que passa que estás mais jovem e bonito, mas é tudo uma farsa, tu és uma farsa e este corpo em que habito, este cérebro de merda a que tu tentas alimentar todos os dias com um pouco de leitura nao te serve para nada. - alvitrou o meu pensamento
- Boa! Mas não sei se já reparaste aqui num pequeno pormenorzinho .. é que parece que sempre sabes escrever e falar - respondeu o ego, tentando demonstrar sempre o seu lado forte
- Ouve oh bacano .. se pensas que vens prá'qui todo armado em pimpão com essa conversa de politico, tenho-te já a dizer que daqui não levas nada. Tu és sempre a mesma merda, pah. Ouve.. já nem sei como consigo habitar em ti, tu é que estás sempre a tentar fugir às conversas, uma pessoa sinceramente, já nem te entende como deve ser, é o que eu te digo, a leitura não te serve de nada.




E o pensamento permaneceu calado durante um longo tempo dentro da consciência.

Xiuuuuuuuu! (apagaram-se as luzes do palco)


Silêncio ..


E uma mão pousou suavemente num papel.
Vagarosamente começou a escrever ..





Terça-Feira, 06h07
26 De Outubro De 1986


Se soubesses o quanto choro por ti, o quanto anseio por te ter novamente em mim, dentro de mim. Preciso de pensar, preciso de ti, das tuas palavras, das tuas ideias, dos teus gestos animados de tentar sempre sucumbir a minha consciência e sempre sem sucesso. A partir do momento que saiste da minha vida, os dias tornaram-se oprimidos, cinzentos, o arco-iris tornou-se uma espécie de televisão a preto e branco, uma imagem distorcida de vez em quando aparecia no pequeno ecrã, e de repente ouvia um estalido, eram aquelas mãos a tentar chocalhar a minha consciência e bastaram apenas uns meros segundos para que com uns pequenos safanões a imagem voltasse novamente aparecer e a tornar-se nitida mais uma vez. Eu cedi a tudo só por ti e tu nem esse pequeno valor me soubeste atribuir, deixaste-me alí sozinho .. sentado naquele rochedo à beira-mar e a ver o por do sol nas tardes rigorosas de Inverno (eu sei que não gostas do frio, dizes-me isso vezes sem conta, bem como sei que não gostas do silêncio ou da escuridão). Passaram-se dias, meses, as estações mudaram e rapidamente o folhear das páginas de um calendário se tornavam cada vez mais necessárias, porque o tempo não espera por nós, pelo nosso amor, pelo romance passado e escrito em vão numa folha rasgada de um caderno colocado na prateleira de uma estante empoeirada. Ao longo do tempo as imagens deixaram de fazer sentido e tu meu querido pensamento, deixas-te de estar dentro de mim como uma águia que se deixa levar pelo sabor do vento. Mas hoje chorei a tua ausência por vários motivos, porque sem ti eu nada sou, porque sem consciência não há pensamento e vice-versa. Preciso novamente de ti, dos teus pensamentos que mesmo apesar de achar que são parvos, às vezes fazem todo o sent..

(..De repente as luzes do palco acenderam)

- epah, o EGO .. é o que te digo, tu és sempre a mesma merda, mas eu sei que tu precisas de mim para seres quem és!
- Está..está .. estás a dizer que vais voltar?
- Eu nunca te abandonei .. sempre estive dentro de ti.
- Mas então porque ficaste tanto tempo em silêncio? Deixas-te percorrer anos a fio e nunca me disseste nada? Ficaste calado nos teus pensamentos sabendo tu que odeias o silêncio?
- Sabes .. minha cara amiga consciência .. às vezes é necessário fazer a nossa ausência suficiente forte para que alguém possa sentir a nossa falta, mas eu tomei percauções, sabes?
- Não estou a perceber - disse o ego já irritado
- humpf .. é que essa ausência não se pode tornar demasiado longa ao ponto de descobrir que esse alguém pode viver sem nós.

E a consciência abraçou disparatadamente o pensamento. Hoje ainda vivem às turras um com o outro, mas enfim.. cada vez que vão os dois juntos de mão dada na estrada não há ninguém que consiga resistir e mandar para o ar um assobiozinho.

Nota:
Ego é o centro da consciência inferior (diferente do Eu que é centro superior da consciência). O Ego é a soma total dos pensamentos, idéias, sentimentos, lembranças e percepções sensoriais. É a parte mais superficial do indivíduo, a qual, modificada e tornada consciente, tem por funções a comprovação da realidade e a aceitação, mediante seleção e controle, de parte dos desejos e exigências procedentes dos impulsos que emanam do indivíduo. Obedece ao princípio da realidade, ou seja, à necessidade de encontrar objetos que possam satisfazer ao id sem transgredir as exigências do superego. Quando o ego se submete ao id, torna-se imoral e destrutivo; ao se submeter ao superego, enlouquece de desespero, pois viverá numa insatisfação insuportável; se não se submeter ao mundo, será destruído por ele. Para Jung, o Ego é um complexo; o “complexo do ego”. Diz ele, sobre o Ego: “É um dado complexo formado primeiramente por uma percepção geral de nosso corpo e existência e, a seguir, pelos registros de nossa memória.

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